quarta-feira, 11 de junho de 2008

Transformação na Base

Transformação na Base

("Transformation At The Base" -
traduzido do livro The Path of Transformation,
de Thich Nhat Hanh, Parallax Press.
Tradução: Samuel Cavalcante
)

Transformação significa transformação na base (ashraya-paravritti), que significa verdadeira transformação e não apenas alívio temporário. Para que a transformação na base tenha lugar, você tem que praticar a observação profunda. Somente olhando profundamente a natureza do nosso sofrimento podemos descobrir suas causas e identificar as fontes dos elementos que o alimentam e trazem à existência. Depois de praticarmos por algum tempo, veremos que a transformação sempre ocorre nas profundezas da consciência. Nossa consciência armazenadora é como o suporte, a base, a fundação de nossa consciência – do mesmo modo que as pernas são um suporte para a mesa. Ashraya significa suporte ou base e paravritti significa transformação na base.

Observando profundamente, ganhamos insights que podem nos libertar e transformar nossas aflições que estão em forma de semente. A formação mental é manifestada no nível da mente, mas a semente da formação mental permanece na consciência armazenadora. Se soubermos como reconhecer e ver a presença das formações mentais, abraçá-las, acalmá-las e observá-las em profundidade, ganharemos insight. Se a semente da raiva se manifesta e a semente da plena consciência também se manifesta, a energia da plena consciência abraça a energia da raiva.

Transformação e emancipação somente podem ter lugar quando o insight é atingido. O insight é atingido pela prática de parar e olhar profundamente. Meditação é composta de dois elementos. O primeiro é shamatha, parar, concentrar-se e acalmar-se. Se você for à China você verá um símbolo muito comum nas estradas. Significa “Pare”. Sugiro que você ponha esse símbolo em algum lugar da sua casa. Quando você o olhar você poderá praticar a respiração consciente por 5 ou 10 minutos e assim conseguir parar. O segundo elemento da meditação é a vipashyana. Significa observar profundamente, analisar, olhar. É difícil observar profundamente sem parar. Se você é capaz de olhar profundamente, então você é capaz de parar.

Como já sabemos, temos que lidar com a energia que está sempre nos pressionando e nos impedindo de parar. Descrevi, certa vez, nossa energia de hábito como um cavalo em fuga. O Buda propôs parar a energia do hábito com a plena consciência. Toda vez que nos sentimos agitados – não importa a hora do dia ou o que estamos fazendo – devemos praticar a respiração consciente para reconhecer nossa energia de hábito. Dizemos “Oi, energia de hábito. Sei que você está aí”. E sorrimos para ela. Vashana é o nome desta energia. Como mencionei antes, todos nós recebemos essa energia de nossos pais e ancestrais, que foram inábeis em transformá-la. Por causa disso, ela nos foi transmitida. Devemos aprender a lidar com ela. Se não soubermos como transformá-la, iremos transmiti-la aos nossos filhos.

Todo verão, em Plum Village, celebramos o Dia de Ação de Graças à nossa maneira. Grupos de estudantes de diferentes países se reúnem, cozinham algum prato nacional e o colocam no altar dos ancestrais. Se tivermos pessoas de 25 países praticando, teremos 25 pratos diferentes. Cada grupo se reúne e discute que prato irá oferecer. Os estudantes preparam seus pratos com plena consciência, tocando seus ancestrais e sua cultura nacional.

Transmissão

Certa vez, um jovem americano foi comprar provisões em Sainte-Foy-La Grande. Ele estava em Plum Village havia três semanas e sentia maravilhoso – em paz e com muita alegria. Cercado por uma Sangha de praticantes, ele praticava meditação andando e sentada e trabalho com plena consciência. Sozinho em Sainte-Foy-La Grande, ele se sentiu subitamente com pressa. Mas com sua prática de três semanas de respiração e caminhada consciente, ele foi capaz de identificar a energia negativa da agitação e da pressa . Sua plena consciência foi suficiente para que ele retornasse à sua respiração. Ele inspirou e expirou, sorrindo, e disse: “Oi mãe, sei que você está aqui!”. Ele percebeu que a energia da agitação vinha de sua mãe. Sempre agitada e com pressa, ela transmitiu essa energia para ele. Durante três semanas de prática no Upper Hamlet (Plum Village, NT) ele estava cercado por uma Sangha poderosa e a semente da agitação não teve oportunidade de aparecer. Somente quando foi ao mercado sozinho, o ambiente pôde tocar aquela semente que estava nele e permitiu que ela se manifestasse. Depois que ele reconheceu essa energia com a respiração consciente, a agitação desapareceu e retornou à sua forma de semente. Daquele dia em diante, ele continuou a prática da respiração consciente mantendo sua paz e alegria.

Regando Nossas Sementes Positivas

Como disse antes, todos nós recebemos sementes negativas e positivas de nossos pais e ancestrais. Alguns de nós foram abusados quando crianças – tratados violentamente pelos nossos pais – e sofreram muito. Comprometemo-nos a nunca nos comportarmos como eles depois que crescermos. Mas se não soubermos transformar nossa energia negativa, trataremos nossos filhos exatamente como nossos pais nos trataram.

Vi isto acontecer muitas vezes. Quando criança, você sofreu por que seus pais lhe trataram mal e lhe abandonaram. A criança ferida em você ainda está viva. Você está vulnerável e com medo que seus amigos, companheiros e outras pessoas também lhe tratem mal. Você conhece a dor de ser abandonado e você não quer que os outros sofram como você. Mas se você não souber como curar a criança ferida dentro de você ou transformar suas energias negativas, você fará seus filhos e amigos sofrer como você sofreu. Você culpará as pessoas por terem feito você sofrer. Você sabe que não é bom abusar dos outros, tratá-los mal, excluí-los ou ferir a já ferida criança interior deles, mas mesmo assim você age do mesmo jeito. Se os seus filhos não tiverem a chance de estar com uma Sangha e com um bom professor eles não serão capazes de transformar essas sementes em si mesmos e irão transmitir essas sementes aos filhos deles. Este é o ciclo vicioso chamado samsara. Praticar significa interromper este ciclo e terminar com ele. Deveríamos reconhecer nossas aflições negativas – nossos elementos negativos – e perceber que elas estão na base da nossa consciência. Temos que intervir e praticar para que haja uma verdadeira transformação, não apenas um alívio temporário. Isso é o que chamamos de transformação na base e pode ser atingida de duas maneiras.

A primeira maneira é a contemplação direta da natureza da semente. Convidamos a semente do sofrimento a vir para a superfície. Se já tivermos cultivado a energia da plena consciência, não será difícil convidá-la a vir á tona, abraçá-la e olhar profundamente a sua natureza. Esta é a maneira direta de desintegrá-la. Somente à luz do insight e da compreensão pode transformar nossas sementes de aflição. A segunda maneira é indireta e igualmente efetiva. Nós plantamos e regamos nossas sementes positivas. Ao invés de chamar a semente para cima, para abraçá-la e observá-la profundamente, nós a deixamos onde está e fazemos outras coisas para ajudar a sua transformação. Podemos fazer isso individualmente ou como uma Sangha. Tocar os elementos positivos, refrescantes e curativos da vida todos os dias é uma prática prazeirosa que pode levar à cura e à transformação.

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2 comentários:

FlucaminhaS disse...

Excelente instrução. Creio que isto disseminado curaria a maioria de nossos males. Senti grande alívio somente em ler. Gostaria de aprender mais. Obrigada e que possa continuar iluminando.

FlucaminhaS disse...

Excelente instrução. Creio que isto disseminado curaria a maioria de nossos males. Senti grande alívio somente em ler. Gostaria de aprender mais. Obrigada e que possa continuar iluminando.