segunda-feira, 2 de abril de 2007

As Cinco Consciências no Casamento

As Cinco Consciências no Casamento
Thich Nhat Hanh

Em Plum Village, toda vez que há um casamento, a comunidade inteira celebra a união e leva seu apoio aos noivos. Depois da cerimônia, a cada lua cheia, o casal recita as Cinco Consciências juntos, relembrando que amigos de toda parte apóiam seu relacionamento. Seja a união firmada ou não por lei, ela será mais forte e mais duradoura se tiver sido realizada na presença de uma Sangha - amigos que amam as duas pessoas e as apóiam dentro do espírito da compreensão e do amor.

Antes das duas pessoas se casarem, elas têm que realizar junta a prática da plena consciência e, tornando-se casados, deverão continuar praticando as Cinco Consciências como manifestação da Plena Consciência:


  • Somos conscientes de que todas as gerações dos nossos ancestrais e da nossa descendência estão presente em nós.

  • Somos conscientes das esperanças que nossos ancestrais, nossos filhos e os filhos de nossos filhos depositam em nós.

  • Somos conscientes de que nossa alegria, nossa paz, nossa liberdade e harmonia, são a alegria , a paz, a liberdade e a harmonia de nossos ancestrais, de nossos filhos e dos filhos de nossos filhos.

  • Somos conscientes de que a compreensão é o próprio fundamento do amor.

  • Somos conscientes de que reclamações e brigas não nos ajudam e fazem apenas crescer o fosso entre nós. É unicamente graças à compreensão, à confiança e ao amor que podemos nos transformar e crescer.


Na primeira consciência nos vemos como um elemento de continuação dos nossos ancestrais e um elo para as gerações futuras. Quando adquirimos essa visão, sabemos que, tratando bem o corpo e a consciência no momento presente, estamos cuidando de todas as gerações passadas e futuras.

A segunda consciência nos lembra que nossos antepassados têm expectativas em relação a nós, assim como nossos filhos e netos. Nossa felicidade é a felicidade deles, e nosso sofrimento é o sofrimento deles também. Observando a fundo, saberemos o que nossos filhos e netos esperam de nós. Pode ser que ainda não os estejamos vendo em pessoa, mas eles já estão conversando conosco. Querem que vivamos de tal modo que não sejam infelizes quando se manifestarem. Os budistas vietnamitas não se vêem como indivíduos separados de seus ancestrais e sim como uma continuação que representa todas as gerações anteriores. As ações do casal não visam apenas satisfazer suas necessidades físicas e espirituais como indivíduos. Elas também têm como objetivo concretizar as esperanças e expectativas de seus ancestrais, bem como preparar as futuras gerações.

A terceira consciência nos diz que a alegria, paz, liberdade e harmonia não são questões individuais. Temos que viver de modo que possamos permitir a libertação dos ancestrais que estão dentro de nós, o que significa nos libertar. Se não agirmos assim, ficaremos amarrados por toda a vida e transmitiremos isso aos nossos filhos e netos. Agora é a hora de libertarmos os nossos pais e os ancestrais que estão dentro de nós. Oferecer-lhes alegria, paz, liberdade e harmonia proporciona, ao mesmo tempo, alegria, paz, liberdade e harmonia a nós mesmos, a nossos filhos e nossos netos. Isso reflete o ensinamento da interconexão. Enquanto nossos ancestrais, que estão em nós sofrendo, permanecerem sofrendo, não poderemos ser realmente felizes. Dando um passo com plena consciência, livre e felizes ao tocar a terra, o fazemos por todos - por nossos ancestrais e as gerações futuras. As três primeiras consciências são aspectos de um ensinamento profundo. Temos que continuar a estudá-las e praticá-las para aprofundarmos a nossa compreensão.

A quarta consciência é também um ensinamento básico do Buda. Onde existe compreensão, existe amor. Quando entendemos os sofrimento de alguém, ficamos motivados a ajudar, e as energias do amor e da compreensão são liberadas. O que quer que façamos com esse espírito será para a felicidade e libertação da pessoa que amamos. Às vezes , porém, destruímos essa pessoa. É como o general americano, quando disse que suas bombas tinham que destruir a cidade de Bem Tre para salvá-la. Precisamos praticar de modo a que tudo o que fizermos para os outros os torne felizes. Vontade de amar não suficiente. Se as pessoas não se entendem é impossível uma amar a outra.

Quando as pessoas se casam, elas formam uma Sangha de dois a fim de praticarem o amor - cuidar uma da outra, fazer o cônjuge florescer como uma flor, tornando a felicidade algo real. A felicidade não é uma questão individual. A pessoa deve procurar sorrir pelo menos uma vez ao dia, não só por ela mesma, mas pela outra também. Tem que praticar a meditação andando, não só pela outra, mas por si mesma também. Estamos ligados a muitos seres e pessoas. Cada passo, cada sorriso tem um efeito sobre todos os que nos rodeiam. Nossa felicidade é a felicidade de outras tantas pessoas.

Olhemos para a árvore do carvalho. Ela parece feliz e a sua felicidade é a felicidade dos pássaros e de todos nós, pois todos nos beneficiamos da sua presença. Se alguém está feliz, nós também estamos. Se alguém não está feliz, nós também não estamos. Praticamos as cinco consciências não só por nós mesmos, mas por todos. Quando uma pessoa pratica a fundo os votos feitos durante a cerimônia do casamento, o mundo inteiro se beneficia. No entanto, para ajudá-la a cumprir seus votos, ela precisa de uma comunidade - o carvalho, a sangha e todos nós.

"Por meio do amor que sinto por você quero expressar meu amor por todo o cosmo, pela humanidade e por todos os seres. Vivendo com você, quero aprender a amar todas as pessoas e todas as espécies. Se eu for bem sucedido(a) em amá-lo(a), serei capaz de amar todas as pessoas e todas as espécies da Terra". Essa é a verdadeira mensagem de amor. Como uma pessoa pode dar grandes passos se ainda não conseguiu dar pequenos passos? Em um, dois ou três anos, este será seu objetivo: promover a paz, a felicidade e a alegria nessa pequena sangha. Ao mesmo tempo, ela vê a sua pequena sangha no contexto da sangha maior. Está praticando com a ajuda de seus mestres, pais, amigos e todos os seres vivos dos reinos vegetal, animal e mineral. "Expresso meu amor pela sangha maior por meio de você. Portanto, devo ser capaz de amar, cuidar e fazer você feliz ".

Se você estiver nesse tipo de relacionamento, lembre-se de praticar em meio a uma comunidade. Faça o que for possível para levar felicidade para o ar, para a água, rochas, árvores, pássaros e seres humanos. Se praticar com esse espírito, seu anel de casamento se tornará o anel do interser, da solidariedade, do amor e da compreensão. Viva diariamente de modo a sentir a comunidade presente dentro de você o tempo todo. Sempre que enfrentar dificuldades na vida e no mundo, basta tocar o Buda, o Dharma e a Sangha dentro de seu coração para receber o tipo de energia de que necessita. O mundo precisa que você viva com plena consciência para estar sempre alerta para o que está acontecendo. A união de vocês lhes dá a oportunidade de praticar com mais profundidade, obtendo o apoio necessário.

Temos que aproveitar profundamente cada momento da nossa vida. Se formos capazes de viver profundamente um momento que seja, poderemos aprender a viver todos os outros momentos da mesma maneira. O poeta francês René Char disse: "se você puder vivenciar em profundidade um moment, será capaz de descobrir a eternidade". Cada momento é uma oportunidade de fazernmos as pazes com o mundo, de tornarmos a paz e a felicidade possíveis. O mundo precisa de nossa felicidade. A prática de viver com plena consciência pode ser descrita como a prática da felicidade, do amor. A capacidade de sermos felizes, de estarmos amando é o que temos que cultivar. A compreensão (sabedoria, NT) é o próprio fundamento do amor. Observar profundamente é a prática básica.

Embora saibamos que culpar e discutir não ajuda nunca, esquecemo-nos disso. Por esse motivo praticamos a quinta consciência. A respiração consciênte nos permite desenvolver a capacidade de parar no momento crítico e abster-nos de culpar e discutir.

Todos nós precisamos mudar para melhor. Quando se casam, as pessoas fazem uma promessa de se modificar e ajudar o cônjuge a mudar também, para assim crescerem juntas, compartilhando o fruto e o progresso da prática. É sua responsabilidade cuidarem uma da outra. Somos todos jardineiros que ajudam as flores a crescer. Se houver compreensão, as flores crescerão belas.

Toda vez que a outra pessoa faz uma coisa boa, algo no sentido de mudar e crescer, o cônjuge deve se congratular com ela e mostrar sua aprovação. Isso é importante. Ninguém pode considerar que as coisas já estão garantidas. Se a outra pessoa manifestar talento e capacidade de amar e criar felicidade, é preciso que o companheiro(a) esteja atento(a) e expresse sua admiração. essa é a maneira de regar as sementes de felicidade. O casal deve evitar dizer coisas destrutivas, como: "não sei se você pode fazer isso" ou "duvido que você seja capaz de fazer isso". Ao contrário, o melhor é dizer: "isso é difícil, meu bem, mas tenho certeza que você consegue fazer". Essa maneira de falar faz a pessoa se sentir mais forte. E funciona também com as crianças. Temos que fortalecer a auto-estima de nosso filhos. Apreciar e nos congratular por todas as coisas boas que disserem e, assim, ajudá-las a crescer.

Para os que estão casados há 10 ou 12 anos, esse tipo de prática também é pertinente. POdem continuar vivendo com atenção plena, um aprendendo com o outro. Talvez uma das pessoas tenha a impressão de saber tudo a respeito do cônjuge, mas não é assim. Os cientistas nucleares estudam uma partícula de poeira durante muitos anos e não têm a pretensão de dizer que conhecem tudo sobre ela. Se com a partícula de poeira é assim, como uma pessoa pode dizer que sabe tudo sobre o(a) seu (sua) companheiro(a)? Dirigindo o carro, mergulhada em seus próprios pensamentos, uam pessoa está simplesmente ignorando seu cônjuge. Ela pensa "eu já sei tudo sobre ele(a). Não há nada de novo". Isso não é real. Se o(a) companheiro(a) for tratado(a) dessa maneira, aos poucos, morrerá. Essa pessoa precisa da atenção da outra, da sua jardinagem, dos seus cuidados.

É necessário aprender a arte de semear a felicidade. Se durante a nossa infância vimos nossa mãe ou nosso pai fazendo coisas que proporcionaram felicidade á família, já sabemos como agir. No entanto, se nossos pais não souberam cultivar a felicidade, é possível que não saibamos como proceder. Assim , na comunidade de prática, procuramos aprender a arte de fazer as pessoas felizes. O problema não é estarmos certos ou errados, mas sermos mais ou menos habilidosos. Viver com alguém é uma arte. Mesmo com bastante boa vontade, ainda podemos fazer a outra pessoa muito infeliz. Boa vontade não é suficiente. Precisamos dominar a arte de fazê-la feliz. A arte é a essência da vida. Devemos procurar ser habilidosos no falar e no agir. A substãncia da arte é a plena consciência. Vivendo com plena consciência, saberemos viver com mais arte. Isso foi uma coisa que aprendi com a prática.


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